Acontecendo

aaaaaa

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

O que significa a vaia a Michel Temer?

O grande Nelson Rodrigues afirmou certa vez que brasileiro vaia até minuto de silêncio. Nunca vi, mas não me surpreenderia. O estádio de futebol não é muito diferente de um coliseu romano. Quem ali se exibe expõe-se a que os dedos indicadores se virem para baixo. Em 2013 coube a Dilma coletar pesada, prolongada e reiterada soma aritmética de vaias e insultos na abertura da Copa das Confederações. Ao seu lado, Joseph Blatter exclamou incomodado: "Onde está a educação?". Na recente cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, a mais prolongada vaia coube a Carlos Nuzman, presidente do COB, no exato momento em que referiu de modo elogioso as gestões das três esferas de administração ali atuantes: município, Estado e União. Conseguiu reunir um pacote cheio de desagrados. Por fim, sobrou para Temer, quando, em meia dúzia de palavras, literalmente agarrou-se ao microfone para proclamar que os jogos estavam abertos.

Não havia como ser diferente. Temer só encantaria o público se fizesse um gol de bicicleta do meio do campo. Como chefe de Estado, nem pensar. E é sobre isso que eu creio ter algo a dizer quanto à vaia de ontem. Fatos assim, diante de um público internacional, produzem manifestações de surpresa. A conduta é tomada como falta de educação, de respeito. Não que tenhamos muito respeito e educação por aqui, mas esses casos merecem considerações mais amplas. O problema é bem mais grave do que bons ou maus modos.

Países cujas instituições são concebidas com maior racionalidade separam as funções de chefe de Estado das funções de chefe de governo e as delegam a pessoas diferentes. O chefe de governo representa a maioria do momento e conduz suas políticas. Como tal, agrada e desagrada, vai para a chuva e para sol. Leva vaia e aplauso. Tem maioria, assume. Perde a maioria, cai. É a figura mais notória na arena do Coliseu político, objeto dos veredictos da turba. Isso é assim, independente do nível cultural e de educação das pessoas. O chefe de Estado, ao contrário, exerce a representação formal da nação. Eram chefes de Estado, no exercício de função típica, os que vieram à cerimônia de ontem acompanhando suas delegações. São símbolos acima das divergências partidárias, são Poder Moderador, podem dissolver parlamentos e convocar novas eleições. Mundo afora, nos países onde essa função existe, o titular que assim se conduz é recebido com reverência e aplauso. Daí a visível surpresa dos estrangeiros em relação a essas vaias próprias do presidencialismo que compartilhamos com as repúblicas ibero-americanas, em suas instabilidades, frustrações e incapacidades de aprender mesmo quando os fatos nos esmurram a face.

Se o que expus parece uma minúcia, uma questão sutil, saiba que nela está quase toda a diferença entre estabilidade política e convulsão. Cento e vinte e seis anos de rupturas e instabilidades institucionais clamam por um basta a esse sistema! Aquela vaia a Michel Temer significa que este país tem um problema institucional.


















* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

» Os comentários não são de responsabilidade do Blog do Riomar Bruno;
» Os comentários deste Blog são todos moderados;
» Escreva apenas o que for referente ao tema;
» Ofensas pessoais ou spam não serão aceitos;
» Faça comentários relevantes;
» Para entrar em contato acesse nosso formulário de contato;
» O Blog não se responsabiliza pelos comentários, opiniões, depoimentos, mensagens ou qualquer outro tipo de conteúdo;
» Ao comentar você declara que leu e aceita as regras dos comentários e que ele não fere o Marco Civil da Internet;
» Obrigado por sua visita e volte sempre.

Doações
Todo o conteúdo do Blog do Riomar Bruno é gratuito, mas você pode ajudar nos custos de manutenção e produção do Blog. Faça sua doação, clique aqui para saber como.
Blog do Riomar Bruno
Rua Conrado Buhrer, 255 - Centro
Porto Amazonas - PR
Jornalista Responsável: Riomar Bruno dos Santos Ferreira
Comercial: (42) 99144-3838
falecom@riomarbruno.com.br
- As informações e conceitos emitidos em colunas, matérias e artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores, não representando necessariamente a opinião do Blog do Riomar Bruno.
-Textos e imagens de nossa redação podem ser reproduzidos gratuitamente, apenas para fins jornalísticos, mediante a citação da fonte. Conteúdos e imagens aqui veiculadas são de responsabilidade das fontes aqui citadas
Duvidas e sugestões entre em contato.